RSS

domingo, junho 13, 2004

Saudades

Trancar o dedo numa porta dói.
Bater com o queixo no chão dói.
Torcer o tornozelo dói.
Um tapa, um soco, um pontapé, doem.
Mas o que mais dói é a saudade.
Saudade de um irmão que mora longe.
Saudade de uma cachoeira da infância.
Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais.
Saudade do pai que morreu, do amigo imaginário que nunca
existiu.
Saudade de uma cidade.
Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa.
Doem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama.
Saudade da pele, do cheiro, dos beijos.
Saudade da presença, e até da ausência consentida.
Você podia ficar na sala e ela no quarto, sem se verem,
mas sabiam-se.
Você podia ir para o dentista e ela para a faculdade,
mas sabiam-se hoje.
Você podia ficar o dia sem vê-la, el a o dia sem vê-lo,
mas sabiam- se amanhã.
Contudo, quando o amor de um acaba, ou torna-se menor,
ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade é basicamente não saber.
Não saber mais se ela continua fungando num ambiente
mais frio.
Não saber se ele continua sem fazer a barba por causa
daquela alergia.
Não saber se ela ainda usa aquela saia.
Não saber se ele foi na consulta com o dermatologista
como prometeu.
Não saber se ela tem comido bem por causa daquela mania
de estar  sempre ocupada; se ele tem assistido as aulas
de inglês; se aprendeu a entrar  na Internet e encontrar
a página do Diário Oficial; se ela aprendeu a
estacionar entre dois carros; se ele continua preferindo
Malzebier; se ela  continua preferindo suco; se ela
continua sorrindo com aqueles olhinhos  apertados; se
ela continua dançando daquele jeitinho enlouquecedor; se
ele  continua cantando tão bem; se ela continua
detestando o MC Donald's; se ele continua amando; se ela
continua a chorar até nas comédias.
Saudade é não saber mesmo! Não saber o que fazer com os
dias que ficaram  mais compridos; não saber como
encontrar tarefas que lhe cessem o  pensamento; não
saber como frear as lágrimas diante de uma música; não
saber  como vencer a dor de um silêncio que nada
preenche.
Saudade é não querer saber se ela está com outro, e ao
mesmo tempo querer.
É não saber se ele está feliz, e ao mesmo tempo
perguntar a todos os amigos por isso...
É não querer saber se ele está mais magro, se ela está
mais bela.
Saudade é nunca mais saber de quem se ama, e ainda assim
doer.
Saudade é isso que senti enquanto estive escrevendo e o
que você,
provavelmente, está sentindo agora depois que acabou de
ler...

(Miguel Falabella)

0 soltaram a lingua: