De repente, nem sei o porquê, me veio a lembrança de uma garota que estudou comigo no Margarez Lacet. Decidi falar sobre ela, pq essa menina mereceu muito mais que recebeu da vida. A Silvana, foi uma das pessoas que mais marcaram minha vida, ela nem sequer sabe disso. A Sil, como a chamavamos, tinha os cabelos lindos, loiros encaracolados e de olhos claros. Parecia uma boneca. Eu acho que ela tinha uns 15 anos na época, não era por causa da sua beleza que ela me marcou. A vida da Sil foi uma tragédia que vi acontecer diante dos meus olhos.
Meu pai, tinha uma farmácia e era considerado o médico da região onde eu morei no Tabuleiro. Falo região pq o bairro é enorme. Então as mocinhas que tinham dado "um mal passo" corriam a ele e conversavam à parte, sobre uma solução. Muitas vezes, vinham os homens com suas namoradas, digamos que 99% deles eram casados e tava indo resolver "o problema". Meu pai, tenho que dizer, muitas das vezes não tinha lá muito tato com essas situações. Ele chamava o cara de safado na cara dele. E as meninas, bem, em muitas ele aplicou vitamina no lugar da injeção pra fazer descer a mentruação. E não dizia nada.
Ai volto a Silvana, a mãe dela foi um caso desses. Quando ela veio descobrir que não dava mais para abortar, já era muito tarde e ela teve a Silvana com apenas 16 anos de idade.
Se me lembro bem, a Marlene, culpava a Silvana por tudo que tinha acontecido de ruim na vida dela. Eu soube disso quando tinha ido a casa deles falar com Silvana, a mãe perguntou quem eu era e eu dei meu nome e disse de quem eu era filha. Ela deu um sorrisinho e disse que era melhor eu não me misturar com a filha dela, que ela não prestava. Eu fiquei surpresa, até então eu conhecia a Sil muito pouco tempo. tinha notado que ela sempre era muito tímida, sempre longe de todos na escola. Não era timidez, o que ela tinha, era tristeza.
Com o tempo, conhecendo melhor a Silvana, notei que ela não tinha esperanças na vida. A mãe dela não polpava-a um único momento, nem lugar para afirmar que ela era um estorvo. Que não deveria ter nascido e que era o meu pai o responsável da desgraça dela. Meu pai tinha orgulho de ter salvo a vida da Sil, num certo momento comecei a perceber que ele não deveria ter tanto orgulho disso. Ele tinha cometido um grande erro.
A Sil chegou um dia na escola estranha, eu e outra "amiga" pensamos até que ela tava passando mal, até que ela disse que tinha feito um coquetel de tudo quanto era remédio que tinha achado na casa da avó e tomado. Em torno de 40 comprimidos, ela ainda tinha uma cartela de valium (ela tomava por prescrição médica) com 5 comprimidos que eu terminei escondendo dela. eu tinha uns 12 anos, fiquei desesperada. Eu não podia leva-la pra casa pq meu pai chamaria a mãe dela, razão pela qual ela tinha feito isso. Então fomos pra vila onde a amiga morava e lá a amiga foi "roubando" leite, iogurte, tudo que era comida com leite pra ela não desmaiar. Sei lá, se isso iria funcionar. Mas, na nossa cabecinha tinha que ser. Ela parecia um zumbi, nesse dia ela estava apagada, cinza...sem luz nos olhos. Foi a primeira vez que vi alguém em tamanho desespero. Até hj eu não sei exatamento o que aconteceu, mais uma vez tinha sido alguma briga com a mãe em casa.
No dia seguinte, passei na casa dela pra chamar para ir ao colégio e enquanto ela terminava de se vestir eu observava todos na casa. Ela parecia um fantasma, ninguém se dirigia a ela e quando o faziam era pra manda-la fazer alguma coisa, dizer alguma coisa feia dela, chama-la nomes ou envergonha-la na minha frente. Isso eram irmãos, mãe e padrasto. A única que ainda a defendia era a avó, mas essa..vivia doente e dizia todo dia que ela terminaria como a mãe, uma vagabunda. Porém, mesmo assim era a única que "cuidava" dela, era ela que vestia e comprava Eaterial de escola. eu não sei como, a mãe dela descobriu que ela tinha tomado os comprimidos e disse pra ela na minha frente. Que da próxima vez, a avisasse..para ela compraria mais comprimidos. Que ela não sabia fazer nada direito, nem se matar. E deixa-la em paz.
A única coisa que Sil fez, foi olhar e dizer: ooh mãe, pq vc me odeia tanto? E começou a chorar.
Eu não sabia o que fazer, nem onde enfiar a cara. Que gente horrivel, má. Chamei-a pra se apressar e saimos dali.
Dias depois, a mãe dela passou na farmácia quando eu estava lá e falou que não sabia mais o que fazer com a filha, pq não era a primeira vez que ela fazia isso. A outra vez, ela se jogou na frente de um caminhão, saiu com braço e perna quebrados. O caminhoneiro conseguiu freiar em tempo. Que ela estava desesperada pq a filha era uma cruz, mas que um dia iria se livrar dela.
Eu lembro que a Silvana não terminou o ano, eu fazia a sexta-série e ela estava na quinta-série. Vim a saber que a mãe dela tinha fugido com outro homem e deixado marido e filhos pra trás, Silvana morava com ela. Logo depois o padrasto a colocou pra fora de casa dele, ele era a figura mais próxima do que podia se chamar de pai, desde que ela tinha 4 anos de idade. Ela voltou a morar com a avó. Só que antes da avó morrer ela namorava um soldado da PM que a levou pra morar com ele e a mãe.
Encontrei a Sil anos depois, mesmo ela morando perto eu nunca a via. Ela não era mais nem sombra da menina linda da nossa infância. Os cabelos estavam maltratados, ela estava magérrima e grávida, os dentes completamente enegrecidos. Tinha casado com o PM e tinha 2 filhos com ele. Eu perguntei como estava a vida dela agora, ela deu um sorriso mais triste que antes e me disse que vivia apanhando do marido. Caso a sogra reclamasse dela. E eu perguntei, mas pq já nãotinha feito laqueadura ela contou que tinha descoberto que estava grávida do terceiro filho quando fazia os exames para a cirurgia.
Ela disse pra mim que nunca deveria ter nascido, sofreu com a familia e quando pensou que iria encontrar paz caiu de novo na vida de pessoas iguais ou pior que a mãe dela.
Nos despedimos e nunca mais a vi. Durante esses anos todos eu me pergunto o que aconteceu com ela. Não sei onde mora, sequer se ainda vive.
A Marlene conseguiu fazer o que queria, ela abortou a Silvana e nem tinha conciência disso.
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